segunda-feira, 20 de março de 2017

Quinta do Crasto Tinta Roriz 2003

Pessoal!!!
Direto de PORTUGAL, nosso colaborador André Maia. Confira a matéria: 

Foi à taça. Em um primeiro momento, aroma discreto. Foi o tempo de um suspiro para que o nariz entregasse a promessa do meu terroir predileto. Com o nome “Quinta do Crasto” a enfeitá-la, somado ao brasão da vinícola, tinha em uma ponta o “2003” e, na outra, a tinta de quase 12 anos em garrafa (após 18 meses em meias pipas de carvalho francês, foi à garrafa em abril de 2005).

Quinta do Crasto Tinta Roriz 2003


Abri o vinho por volta das 22h15. A batata estava terminando de cozinhar. Após ela, viria o bife de alcatra (um novilho alentejano que eu acabara de comprar no talho) na frigideira. Apenas para selar. Queria a carne mal passada e um tempero discreto. Quando saquei uma rolha perfeita, implorei ao cameraman o foco. Ah, a rolha era digna de um comercial, mas me lembrei de que não estava em um. Era um carimbo! Com o nome “Quinta do Crasto” a enfeitá-la, somado ao brasão da vinícola, tinha em uma ponta o “2003” e, na outra, a tinta de quase 12 anos em garrafa (após 18 meses em meias pipas de carvalho francês, foi à garrafa em abril de 2005). Deu vontade de puxar o telefone e chamar o Tiago Paulo para agradecer. A Estado D’Alma entregava mais um vinho que sintetiza o nome da melhor garrafeira de Portugal. 

Foi à taça. Em um primeiro momento, aroma discreto. Foi o tempo de um suspiro para que o nariz entregasse a promessa do meu terroir predileto. E ainda havia ali alguma fruta! Animei-me! Sim, sim! Na boca ainda estava vivo!  Os 14%G.L. estavam em perfeita discrição. Muito agradável e, dois segundos depois, uma nota de qualquer coisa que minha falta de formação impedem de racionalizar. Era apenas uma nota de qualquer coisa muito certa. Veio à cabeça o primeiro palavrão. 

Mas não sabia se seria o caso de decantá-lo. Parecia delicado demais. Pensei “dane-se!”. Era uma garrafa inteira e ela merecia um desfile completo. E após umas dezenas de Crastos eu já sabia que a família do Tomás Roquette não estava para brincadeira. Metade foi ao decanter. Enquanto ia levá-lo ao quarto refrigerado, tomei mais um gole do que já estava na primeira taça. Veio à boca o segundo palavrão. Os taninos estavam lá! Vivos, vivos e vivos! Ali eu disse para as outras ampolas que aguardavam o Tinta Roriz 2003 a desfilar no decanter: “temos aqui algo diferenciando”. 

Preparei o jantar enquanto degustava aquela primeira taça. Muito fácil e muito saboroso. Na harmonização com o prato (novilho, batata assadas com alecrim e tomate italiano), uma e outra nota de uma discreta (e por isso mesmo tão sedutora) complexidade vinham ao meu encontro . Já uma hora e meia após ir ao decanter, comecei a bebericar o que tinha ali. Era bom! Era ainda melhor!

Daí o prato acabou. Geralmente, não passo de meia garrafa em uma refeição, mas um super vinho não é para se arrolhar novamente. Não se muda a direção da correnteza nem se pode conter o pôr-do-sol. Era ali e agora.  E ainda havia muito vinho. Havia? Sou dos que acho que beleza nunca sobeja. 


Cortei dois nacos de um Serra da Estrela com mais de dois anos de cura. Peguei umas amêndoas torradas e fui ver no que dava. Descobri um gosto de salgadinho. Talvez um daqueles Fandangos de bacon?  A “versão gourmet do inusitado” até que harmonizava. Parti pra castanha de caju e não fez feio.

Mas daí o que estava no decanter já ia acabando. No meio disso tudo, Chet Baker atravessava “The touch of your lips”. Fui ao armário e busquei o meu filtro. A última taça ainda estava na garrafa e esses durienses excepcionais sempre confessam a sua terra após uns aninhos em garrafa. Finíssimo e discreto sedimento. Enquanto olhava o sedimento, me perguntava sobre sua relação com esses taninos ainda vivos e uma textura que só melhora com os seus lábios. Se o vinho não vai perfeitamente bem com os lábios da pessoa amada, desconfie do vinho (Não seria desconfiar da pessoa amada? Eu, que não sou bobo, encontrei a pessoa amada nos lábios de uma vinha velha do Douro. Aprendam!).

“And man must have his mate. That no one can deny”. Enquanto escrevia esta bobajada, “as time goes by” batia à porta. O meu terroir “mate” é o Douro. Não que houvesse dúvidas, mas o Quinta do Crasto Tinta Roriz 2003 fez toda a questão de lembrar-me. Até a última taça (01h35... rendeu).


PS: E a cor? Ah, era madura como quem envelhece com dignidade. Não à toa escolho este vinho para homenagear o meu avô, que hoje comemora mais um ano de vida. 

Texto produzido por André Maia:

André Maia e Ayrton Gissoni
(Foto antiga de uma degustação beneficente organizada por André) 

André Maia é mestrando em Direito pela Universidade de Coimbra com bacharelado em Direito e Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Tem interesse em regulações de mercados, propriedade intelectual e regimes de bens com denominação de origem controlada. É apaixonado por vinhos há alguns anos, quando foi surpreendido com um vin de pays em um término de namoro. Mesmo numa caneca de plástico, desceu bem. Alguns meses depois, uma amiga o presenteou com um Moleskine. Resolveu dar ao famoso caderninho um honroso destino. Desde então, coleciona todos os rótulos interessantes que já bebeu.