domingo, 11 de fevereiro de 2018

Queridos amigos!
Nosso colaborador em Portugal encaminha mais um belíssimo texto com suas impressões e sensações ao redor de um grande vinho português. O Quinta do Monte Xisto é uma produção do filho e dos netos do criador do Barca Velha. A base de Touriga Nacional (60%), Touriga Franca (35%) e Sousão (5%), esse vinho biodinâmico é proveniente do Douro Superior e estagiou por 18 meses em barricas de carvalho de 600 litros. A quinta tem  40 hectares, sendo somente 10 de vinhas. Isso explica a pequena produção de 4000 garrafas para essa safra. Tanto Robert Parker quanto a Wine Enthusiast atribuíram a ele 92 pontos.

Quinta do Monte Xisto

Por André Maia, colaborador em Portugal


“Não me peça para fazer isso”. Conheci o Quinta do Monte Xisto por meio do Engenheiro João Nicolau de Almeida, último presidente da Adriano Ramos Pinto. Enólogo reputadíssimo, foi responsável por décadas por um dos grandes vinhos que afirmou a qualidade do Douro para além dos vinhos do Porto, o Duas Quintas.  Aposentou-se recentemente e, já no fim da jornada a frente da empresa de seus antepassados, começou a tocar um novo projeto com os filhos. 

A Quinta do Monte Xisto produz apenas o vinho homônimo. O primeiro foi o 2011, a grande safra do Douro. Desde então, todos os anos tiverem uma safra lançada, ganhando o vinho cada vez mais fama. A última colheita distribuída, 2015, marcou 95 pontos para Robert Parker, um patamar alcançado por pouquíssimos vinhos, a maioria custando duas ou três vezes mais. Pelos elogios e comentários que tenho lido, imaginei que tivesse tudo para se tornar um novo ícone duriense. E, como é comum daquela terra, um vinho bastante longevo, que pediria bons anos em garrafa para entregar o presente da natureza e do homem que o tempo embalou. 

Acontece que em fevereiro de 2017 encontrei-me com João Nicolau de Almeida e ele contou-me empolgadíssimo sobre o novo projeto. Eu tinha de provar o vinho. O mais antigo que encontrei foi o 2013 . Mas para mim não há nada mais angustiante do que beber um grande vinho ainda jovem. “Não me peça para fazer isso”. É infanticídio! Dói-me cortar as possibilidades de grandeza da jovem garrafa. 

MAS eu tinha de dizer o que achei do vinho. Mandei para casa umas garrafas para envelhecer e deixei uma em Portugal para uma prova. Posterguei ao limite até que chegou o dia de celebrá-la. 

Era um dia de grande vitória que merecia um grande vinho. Grelhei um belo lombo de atum e preparei arroz com amêndoas e frutos negros trasmontanos. (Mas isso tudo é bobagem. Basta abri-lo. Ploc!) 


O cheiro do Douro profundo. Uma terra que tem gosto do que é. Foi isso o que a taça de prova contou-me sem nenhuma timidez. Estava inequívoca e generosamente ali. O Douro estava ali.

O Douro é romântico. Sim, é romântico no sentido mais coloquial. Aquele vale belíssimo, o rio rodeado por morros e pedras e terraços cheios de vinha... Mas é mais! É um Douro conceitualmente romântico. São vinhos cheios de sabor, garra, vontade, drama e fruta. São suculentos como a música de Beethoven. Certa vez vi um cartaz na Sala São Paulo divulgando sinfonias do grande compositor: “Beethoven apavora!”. É isso! O Douro apavora!

Achei que a data só podia merecer a 3ª Sinfonia de Beethoven, conhecida por Eroica. Os seus quatro movimentos são um composto de três allegros cortados pela estupenda Marcha Fúnebre. É uma composição perfeita de muita alegria com algo muito denso ou sério, mas tudo harmonicamente grandioso. É o que tenho na minha taça.

Depois de longos minutos apreciando a primeira leva, levantei-me e fui a mais uma tacinha. Perfumes inomináveis dos momentos de calmaria após uma hora e meia no decanter. Achei que os trechos mais suaves da Eroica não teriam paralelo em um vinho tão potente. Ledo engano. 

A BBC fez um filme sobre a 3ª de Beethoven, disponível no Youtube, em que no final o mestre do compositor, Haydn, diz que a partir daquela obra tudo será novo e que o herói era o próprio artista. O artista era o centro de sua obra. A frase não tinha o sentido de julgar o trabalho de Beethoven como uma expressão ególatra, mas como uma expressão genuína das próprias angústias, alegrias, certezas e fraquezas. Não um “eu” arrogante, mas um “eu” entregue. A obra como manifestação do artista. Não seria em parte isso a tradição do savoir-faire? 

Pois é o saber-fazer de João Nicolau de Almeida que está nas nuances deste frondoso vinho de Vila Nova de Foz Côa. Se por um lado toda a exuberância e generosidade daquela paisagem revelam-se na força deste vinho, por outro, o reveste de elegância a sabedoria e classe de seu pai-enólogo, dedicado artista a apurar o melhor presente de sua terra.

Mas há um detalhe. O último movimento da sinfonia Eroica não está no vinho. O alegro final é tão empolgado e empolgante que perde a compostura. O sentimento de absoluto triunfo e vitória estará naquele ou naquela que, ao final do dia, provou umas boas taças do Monte Xisto. Impregnado do espírito duriense, da beleza de seu vale e de um sentimento que é pura luz. Impregnado da vitória da terra. Impregnado da vitória da fruta. Impregnado da vitória do tempo. Allegro. Molto. Este vinho é tão vitorioso quanto uma família feliz. E tão saboroso quanto. 

João Nicolau de Almeida e família recebem o prêmio de Revelação do Ano pela Revista de Vinhos. 

Vinhedos Quinta do Monte Xisto

Texto produzido por André Maia:

André Maia e Ayrton Gissoni
(Foto antiga de uma degustação beneficente organizada por André) 

André Maia é mestrando em Direito pela Universidade de Coimbra com bacharelado em Direito e Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Tem interesse em regulações de mercados, propriedade intelectual e regimes de bens com denominação de origem controlada. É apaixonado por vinhos há alguns anos, quando foi surpreendido com um vin de pays em um término de namoro. Mesmo numa caneca de plástico, desceu bem. Alguns meses depois, uma amiga o presenteou com um Moleskine. Resolveu dar ao famoso caderninho um honroso destino. Desde então, coleciona todos os rótulos interessantes que já bebeu.