sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Pessoal!!! 
Achei super interessante o artigo escrito por Arnaldo Grizzo e publicado na Revista Adega!!! Sensacional!!! Parabéns pelo artigo!!! 

Fala sobre o maior falsificador de vinhos da história. Até parece coisa de filme... confira:

O Maior Esquema de Falsificação no Mundo dos Vinhos

Como um imigrante indonésio se tornou o maior falsificador de vinhos do mundo e como este caso pode repercutir no mercado de vinhos raros



500 milhões de dólares. Esse é o valor aproximado de quanto o mercado de vinhos raros tem movimentado por ano somente nas casas de leilão nos últimos três anos. Pode até parecer pouco quando se compara com as vendas globais de vinho mundo afora que passam de US$ 150 bilhões por ano. No entanto, o mercado de rótulos raros tem visto consideráveis aumentos nos últimos anos, batendo recorde atrás de recorde de preço desses tesouros engarrafados.

Um dos casos mais emblemáticos ocorreu há pouco menos de 30 anos. Uma garrafa de Château Lafite de 1787 que teria pertencido a Thomas Jefferson foi à leilão em 1985 e acabou comprada por Christopher Forbes pela bagatela de 105 mil libras (o que equivaleria a mais de R$ 600 mil atualmente), o maior valor já pago por uma garrafa de vinho na história.

Cerca de 20 anos depois, porém, o bilionário Bill Koch, que havia comprado algumas das garrafas que supostamente também eram de Jefferson, passou a suspeitar e investigar a origem delas. Sua equipe não foi capaz de encontrar uma relação das garrafas com o ex-presidente norte-americano, rastreando-as somente até a pessoa que as enviou à casa de leilão, Hardy Rodenstock, um colecionador alemão que alega ter encontrado essas raridades em uma residência parisiense abandonada, mas diz se reservar o direito de não divulgar o local.

Diante das contradições encontradas pelos investigadores (entre elas, a marca Th. J. na garrafa parece ter sido feita com uma ferramenta moderna), desde 2006, Koch processa Rodenstock por falsificação e até um livro já foi feito sobre o caso (“O vinho mais caro da história”), que ainda corre na justiça norte-americana e cujo final parece distante já que o colecionador alemão se recusa a ir aos Estados Unidos participar do julgamento.

Desde então, o mundo do vinho tem estado mais alerta, casos de falsificações esporádicas apareceram aqui e ali, preocupações com falsificadores na China aumentaram, contudo, recentemente, um caso deixou colecionadores, casas de leilão e negociantes de vinho completamente atônitos.

Acredita-se que, durante a última década, o indonésio Rudy Kurniawan tenha inundado as adegas dos colecionadores com falsificações. Em 2012, ele foi preso em sua casa com inúmeros materiais que lhe incriminavam, como rótulos, carimbos, rolhas, garrafas etc, tudo preparado para falsificar marcas de vinho consagradas. No final do ano passado, um júri norte-americano sentenciou-o como culpado no que está sendo considerado o maior caso de falsificação da história do vinho.

Leilão da “The Cellar II” angariou nada menos que US$ 24,7 milhões, o recorde mundial

“Vida de bacana”


Para se ter ideia dos montantes movimentados por Kurniawan, em janeiro de 2006, a casa de leilões Acker, Merrall & Condit, cujo dono era o seu amigo de confraria John Kapon, colocou à venda a chamada “The Cellar”, com 1.700 lotes vindos diretamente da famosa adega do indonésio. A venda atingiu impressionantes US$ 10,6 milhões. Não satisfeito, em outubro do mesmo ano, foi à leilão a “The Cellar II”, que angariou nada menos que US$ 24,7 milhões, o recorde mundial para uma única venda dessa natureza.

Em 2006, Kurniawan, com apenas 30 anos, estava no auge e era um habitué entre a high-society do vinho, com diversas amizades entre os principais colecionadores, ricaços e celebridades de Hollywood, já que vivia na Califórnia. Na época, ele era conhecido como “Mr. Conti” ou “Mr. 47”, em referência ao vinho de Romanée-Conti e à safra de 1947, uma das mais prestigiadas do século XX. Vivia cercado de famosos, vestindo roupas de grife, usando carros de luxo e dando festas regadas a muito vinho raro, sendo extremamente generoso com os amigos.

A ascensão do imigrante indonésio a essa vida de glamour foi meteórica e pouco questionada na época. Sabe-se que ele ingressou nos Estados Unidos no final dos anos 1990 com um visto de estudante. Logo no começo dos anos 2000, ele já estava comprando vinhos em profusão, gastando cerca de US$ 1 milhão por mês, mesmo admitindo que era um enófilo novato.



Em entrevista, chegou a dizer que seu primeiro gole foi de um Opus One logo depois que chegou aos Estados Unidos e, em seguida, ficou encantado por esse mundo. O dinheiro para adquirir sua coleção, diz-se, vinha da fortuna familiar, já que ele seria herdeiro de uma abastada família chinesa.

Em pouco tempo, Kurniawan passou a frequentar confrarias repletas de celebridades, demonstrando grande interesse e também profundo conhecimento de degustação. Aos poucos, fez sua fama, pagando a conta dos vinhos raros consumidos em suas confrarias, além de levar rótulos de sua própria adega para os encontros. Um dos lugares preferidos para as reuniões era o restaurante Cru, de Nova York. Depois das degustações, o indonésio sempre requisitava aos garçons que guardassem as garrafas vazias e as enviassem para ele. Um hábito até então não questionado pela gerência do restaurante.

Kurniawan cultivou amizades com o vinho. Quando encontrou John Kapon, da casa de leilões Acker, Merrall & Condit, passou a oferecer suas garrafas para venda. Com tantas raridades, Kapon dificilmente recusaria. As vendas de “The Cellar” e “The Cellar II” fizeram com que sua empresa fosse catapultada para os primeiros lugares entre leiloeiros do mundo.

Na época, apesar de somente à boca miúda, já havia alguns questionamentos sobre a autenticidade das garrafas de Kurniawan. No entanto, para aplacar os boatos, ele mesmo se oferecia para recomprá-las, caso alguém suspeitasse de algo. E, além dos milhões ganhos em leilões, “Mr. Conti” ainda vendia quantidades massivas de vinhos raros para compradores particulares.

Em 2007, porém, suas garrafas já estavam sendo fortemente questionadas. Tão logo a Christie’s anunciou um lote de magnum de Château Le Pin 1982 que pertencia ao indonésio, foi obrigada a tirá-lo do catálogo depois que representantes do produtor alegaram que as garrafas eram falsas. No entanto, foi somente em 2008 que a máscara de Kurniawan começou a cair realmente.


Não Brinque com a Borgonha


Na noite de 25 de abril, o falsário estava novamente no restaurante Cru para mais um leilão de seu amigo John Kapon. Entre os lotes, ele oferecia garrafas do Domaine Ponsot, na Borgonha, entre elas uma do Clos de la Roche 1929 e 38 do Clos Saint-Denis de safras entre 1945 e 1971. Alertado da venda por amigos, Laurent Ponsot, herdeiro e proprietário do Domaine borgonhês, voou para Nova York para impedir o leilão, alegando que os rótulos eram falsos. Bastava dizer que, até 1982, seu Domaine não produzia vinhos do vinhedo Grand Cru de Clos Saint-Denis. Foi somente em 1982 que um parisiense rico comprou um acre de terra lá e pediu à família Ponsot que a gerenciasse. Sobre a garrafa de 1929 do Clos de la Roche, esse vinho só foi produzido a partir de 1934. Ou seja, eram todas indubitavelmente falsas. Kapon, sem pestanejar, retirou-as do leilão e Kurniawan, ao ser questionado sobre a origem, disse apenas: “Tentamos fazer o melhor, mas é a Borgonha, às vezes acontece alguma merda”.


Ponsot poderia ter se dado por satisfeito com a retirada dos rótulos do leilão, mas não. Inquiriu o indonésio sobre a origem e exigiu saber de onde tinham vindo. Em um jantar com o produtor, Kurniawan deu-lhe o nome e telefones (ele teria decorado os números para dar mais credibilidade à história e, quem sabe, desestimular Ponsot a ligar) de quem havia comprado as garrafas. O insistente Ponsot, todavia, tentou contatar o tal Pak Hendra, mas não obteve sucesso. Mais tarde, descobriu que Pak significa “senhor” e Hendra é um dos nomes mais comuns da Indonésia.

Assim, além de ver seus vinhos cada vez mais questionados, Kurniawan também passou a ser algo de investigações de Laurent Ponsot, que descobriu que o indonésio vinha comprando enormes quantidades de vinhos velhos da Borgonha de negociantes – que até 1970 os vendiam a granel. Por que ele fazia isso se não costumava consumir esse tipo de vinho? Nessa altura, contudo, não apenas Ponsot estava no encalço de Kurniawan.

Não demorou muito para que o bilionário Bill Koch – que, depois de ter processado Hardy Rodenstock, ingressou em uma “cruzada contra os falsários”, como ele mesmo denomina suas ações – também fosse atrás do indonésio. Em setembro de 2009, ele processou Kurniawan. O FBI logo entrou em ação.

A partir de 2007 as garrafas leiloadas por Kurniawan começaram a ser questionadas

Fim da farsa


No dia 8 de março de 2012, quando tentava leiloar mais alguns lotes de vinho em um leiloeiro londrino, Kurniawan foi preso em casa e, para a surpresa dos agentes do governo norte-americano, sua residência estava repleta de evidências das falsificações. Só de rótulos, havia mais de 19 mil.

Ao saber da notícia da prisão, um aliviado Laurent Ponsot chegou a declarar ironicamente: “Não se falsifica um Swatch. Um Rolex sim”, dando a entender que o indonésio tinha sido pego por falsificar um artigo sem importância.

Depois de um adiamento por causa da colheita no hemisfério norte (diversas testemunhas eram enólogos e não poderiam deixar seus vinhedos em setembro – a primeira data marcada), o julgamento de Kurniawan começou em 9 de dezembro do ano passado e durou uma semana. Entre as testemunhas ouvidas no tribunal estavam Aubert de Villaine, do Domaine de la Romanée-Conti, Christophe Roumier, do Domaine Roumier e Laurent Ponsot, obviamente.

Esta foi a primeira vez que o governo dos Estados Unidos levou a cabo um processo criminal contra um falsificador de vinhos. Durante as investigações, revelou-se que o nome verdadeiro de Kurniawan era, na realidade, Zhen Wang Huang, e que ele estava ilegal no país há diversos anos. Além das falsificações, o indonésio ainda pegou lautos empréstimos em bancos e também com amigos, e não pagou. O promotor Stanley Okula, encarregado do caso, estimou que o indonésio vendeu cerca de US$ 50 milhões em vinhos falsificados durante os anos em que atuou no mercado.

Após uma rápida deliberação, os jurados consideraram-no culpado dos crimes. Depois de apelações, no começo de agosto deste ano, Kurniawan foi sentenciado a 10 anos de prisão, além de ter de pagar US$ 24,8 milhões de restituição para sete de suas vítimas. Ele ainda teve US$ 20 milhões em patrimônio apreendido. “Precisamos saber que nossas comidas e bebidas são seguras”, disse o juiz Richard Berman ao anunciar a sentença.

Reflexos

O falsificador tinha admiração pelos vinhos do Domaine de La Romanée-Conti. Aubert de Villaine, enólogo da propriedade depôs em seu julgamento

Ainda não se sabe como o caso Kurniawan vai impactar o mercado de vinhos raros, pois ainda há algumas perguntas sem resposta. Ponsot, por exemplo, não acredita que o indonésio trabalhasse sozinho nas falsificações. Ele crê que o criminoso não seria capaz de manter um sistema tão intrincado por si só. Por outro lado, alguns alegam que a desorganização de Kurniawan, que foi preso com diversas evidências em casa, é um atestado de que ele era um “amador com sorte”.

Alguns apontaram Paul Wasserman, especialista em Borgonha e tutor de Kurniawan em sua educação no mundo do vinho, como cúmplice, mas ele alega ter tido um papel involuntário na carreira do indonésio. Outros apontaram ainda para John Kapon, que teoricamente lucrou muito com as vendas dos vinhos de Kurniawan, mas o dono da Acker, Merrall & Condit atesta que foi mais um vítima, já que ainda lhe emprestou cerca de US$ 8 milhões, nunca pagos.

Mais do que o receio de haver cúmplices, o mundo do vinho agora volta seus olhos para as garrafas vendidas pelo indonésio. Algumas podem ser rastreadas, outras, vendidas de forma privada e direta, não. O que impede que seus compradores as recoloquem no mercado para minimizar seus prejuízos? Segundo especialistas, apenas o medo de uma investigação que promete continuar. Para os envolvidos no caso, as falsificações precisam ser rastreadas e destruídas mesmo que a contragosto dos compradores, para dar credibilidade ao mercado.

“Os efeitos desse crime provavelmente serão sentidos por décadas enquanto as garrafas falsificadas por Kurniawan continuarem a trocar de mãos nos leilões e em vendas diretas”, atestaram os promotores do caso. A ex-sommelier Maureen Downey, que hoje possui uma empresa de consultoria contra falsificações, acredita que “o mais lamentável é a maneira pela qual todo esse descalabro fez um enorme dano colateral à confiança do colecionador”.

Em entrevista recente a uma revista inglesa, ela disse que tem sido questionada se os leiloeiros farão um melhor trabalho a partir de agora. Já tendo trabalhado para uma casa de leilões, ela contesta: “Na verdade, isso é notícia velha para eles, pois os mais respeitáveis leiloeiros já reforçaram seus procedimentos de autenticação. Isso é mais uma lembrança para os revendedores e brokers que parecem acreditar que a fraude é somente parte dos leilões. As casas de leilão são apostas mais seguras do que a maioria dos varejistas e brokers”.

Um porta-voz da prestigiada casa de leilões Christie’s atesta o que Maureen disse. “O caso foi um lembrete para toda a indústria de vinhos raros quanto às sofisticadas medidas que os falsificadores estão usando para perpetrar fraudes”, disse.

Segundo ele, a Christie’s leva a muito sério a questão da autenticidade e tem como política um processo de investigação rigorosa para garantir que todos os vinhos à venda sejam autênticos. “Também encorajamos compradores a certificarem-se sobre a autenticidade do vinho que compram”, afirma e completa: “No improvável caso de um comprador voltar à Christie’s (dentro de um tempo razoável) com alguma evidência ou forte suspeita de que a garrafa não esteja correta, a empresa realiza nova investigação para determinar a autenticidade do vinho e, dependendo do resultado, pode rescindir a venda”.

Esse caso trouxe à tona os problemas e mostrou a ousadia dos criminosos, porém também serve para a indústria se armar. Depois de descobrir que muitas de suas garrafas eram falsas, o empresário Russell Frye, por exemplo, decidiu investir no combate às falsificações, criando um site onde congrega informações para todos os que querem impedir as fraudes. Seu WineAuthentication.com serve como um fórum para colecionadores e produtores que querem evitar esse problema, dando dicas de empresas e serviços que ajudam a criar rótulos e sistemas à prova de falsificações, assim como também descobrir garrafas falsas.

Segundo Maureen Downey, o mercado hoje está muito mais preparado para lutar contra esse tipo de problema. “Infelizmente, fraude em vinhos não é algo novo e não vai ser fácil. No entanto, tenho certeza de que estamos começando a limpar a situação atual, pois há um nível de vigilância maior do que nunca. Finalmente, a maré está definitivamente virando a favor dos mocinhos”, diz.

A prisão de Kurniawan seria “o fim da inocência” no mundo do vinho?


FONTE: 
REVISTA ADEGA
Por Arnaldo Grizzo
Original: 
http://revistaadega.uol.com.br/artigo/o-esquema_9987.html#ixzz3OKwrkpq3