quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Pessoal!!!
O nome Dom Francisco é hoje uma grife da alta gastronomia de Brasília. Francisco Ansiliero, o chef fundador empresta seu nome ao restaurante que completa 27 anos de sucesso. Para mim um dos melhores restaurantes que já fui! Atendimento excelente, equipe preparada, comida deliciosa e excelente carta de vinhos a preço justo! Desde já agradeço imensamente ao Francisco por ter participado dessa entrevista. Muito Obrigado! Parabéns pelo seu trabalho a frente da gastronomia da cidade.

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Entrevista com o Renomado Chef Francisco Ansiliero - Dom Francisco


1 - Como começou sua paixão pelos vinhos e pela gastronomia? Qual foi o principal motivo e inspiração para abrir seu restaurante Dom Francisco?

Sou de origem italiana e minha ligação com a  gastronomia vem desde a infância. Meus pais bebiam vinho no almoço e jantar, em dias “especiais” reuníamos a família onde todos ajudavam a preparar a refeição.

Aos 49 anos, resolvi abrir o restaurante para manter-me em Brasília (ou voltaria para Santa Catarina). Fiz uma pesquisa de mercado e verifiquei que o brasiliense gostaria de comer um bom bacalhau, tambaqui e picanha, que fazem parte da marca Dom Francisco.

2 – Francisco, o Senhor está há 27 anos no ramo da alta gastronomia de Brasília. Para os turistas, seu restaurante faz parte do circuito gastronômico da cidade. Como o senhor conseguiu tanta fama?

Ninguém fica impunemente no mercado há 27 anos. Se conseguimos chegar até aqui, foi porque nós temos uma proposta a oferecer para Brasília. Já dissemos, fizemos pesquisas de mercado e identificamos as necessidades da cidade. Isso foi muito importante para fazermos algo que fosse duradouro, e fora isso sempre colocamos como meta fundamental a qualidade dos nossos produtos e dos serviços.

Você pode ver que fizemos em Brasília: a primeira adega de vinhos; universalizamos o uso da taça de cristal; a primeira câmara de lixo e muitas outras coisas que marcam a essência de um serviço de qualidade. 

Posso dizer que o restaurante democratizou a cultura de ir ao restaurante, pois na época, existiam dois picos de almoços (12h e 15h para quem saia dos clubes). As famílias que saiam as 15h queriam almoçar, de roupa de banho e com as crianças; tinham dificuldade de encontrar um local aberto, pois os restaurantes fechavam. Então decidimos não fechar! Pode ver que até hoje, na hora que você chegar, teremos uma equipe pronta para atender-lo. 

Uma coisa importante é, que sempre fizemos, foi um sistema para fazer uma ótima farofa 5 minutos antes de fazer o prato, ao invés de fazer a farofa de manhã e deixa-la o dia todo... durando até a noite. Fazemos ela na hora! Isso porque se o cliente vem aqui e pede, por exemplo, uma picanha, temos que fazer as nossas guarnições (acompanhamentos) tão bem quanto o prato principal, pois senão acaba desmerecendo o potencial do prato principal. Acredito que essa sintonia entre o prato principal e as guarnições colaborou para o nosso sucesso. Lembrando que isso não era uma marca registrada de Brasília.

Outra coisa importante, foi a padronização, onde se emprega desde o início o mesmo método de fazer o prato. Pois se o cliente veio aqui comer um bacalhau, daqui dois anos ele vem e come o mesmo bacalhau. Nós fazemos uma dessalga sistemática no bacalhau, onde todas as postas são parecidas, tamanho, peso... o cliente não pode vir hoje e o prato está de um jeito, e na semana seguinte de outro, pois mudou o cozinheiro. Não é o cozinheiro que vai decidir o prato, é o restaurante que tem que decidir e treinar o cozinheiro que ele contratou para fazer o prato. Senão, o restaurante fica sem personalidade.

O Francisco não foi um restaurante que fiz para viver uma aventura, e sim um projeto de família para criar os filhos e a família. Nós temos um compromisso com produtos e serviços de qualidade, trabalhamos para nossos pratos serem sempre muito bons.



3 – Quais são os principais desafios que o senhor enfrentou ao abrir o restaurante? E agora, após 27 anos, quais são esses “novos” desafios?

Digo que um dos grandes milagres da gastronomia de Brasília é o CEASA. Pois antigamente, se demorava mais de 72h para se ter, por exemplo, um pé de salsão, manjericão, tomilho, alecrim e etc. E eram enormes, e não adiantavam as pessoas comprar um maço gigantesco que não seria usado e acabaria estragando. Como se diz: sai mais caro o molho, do que o peixe! Era muito difícil se conseguir matéria prima de qualidade. Trabalhamos (juntamente com outros restaurantes) muito para reduzir o tamanho do maço.

Vou contar um caso: A EMBRAPA adaptou uma variedade de tomate para o plantio em Brasília e entregou aos agricultores, principalmente da região de Pipiripau (saída de Unaí). Só que ninguém pesquisou e ninguém preparou o mercado para comprar o tal tomate. Quando o tomate ficou pronto, ele era vendido a $12 unidades de dinheiro da época, mas os concorrentes estavam vendendo o outro tomate (que só tinha acidez e água) no CEASA a $5. O que iria acontecer? Os produtores iriam falir! Então, reunimos um grupo de donos de restaurante que ia lá buscar o tomate e pagava os $12. Cerca de 3 a 4 anos depois, após utilizarmos muito nos restaurantes, falarmos dele, mostrarmos ao consumidor, que devagarinho indo ao CEASA, as pessoas aprenderam que ele era melhor que o outro. Hoje ele até custa menos que o outro! Pois todos passaram a plantar, visto que quem comeu ficou encantado com o tomate. 

Hoje, no CEASA, os produtores já tem uma grande diversidade de matérias primas e do tamanho adequado, que muitas vezes superam os produtores de São Paulo. Hoje já temos produtos de qualidade para preparar os pratos. Tudo aqui, perto e fresquinho. Eu particularmente, vou todos os sábados ao CEASA as 4h da manhã, para selecionar os ingredientes.

Hoje o grande desafio é fazer uma comida que valorize os produtos regionais e que trate, de maneira orgânica, as características dos produtos da região para investir na qualidade de vida das pessoas que moram aqui. Para você ver, hoje Brasília tem: frango, coelho, faisão, cordeiro, suíno, javali; e diversas frutas regionais: pequi, cajú do cerrado, cajuí, buriti, cagaita. Temos uma infinidade de produtos de qualidade que devemos utilizar.

Outro desafio é caminhar para pratos que sejam mais saudáveis. Veja que a ONU quer reduzir em 50% o cloreto de sódio até 2030, pois ele é responsável por uma série de doenças como a hipertensão. Devemos evitar os ingredientes vilões: o sal, açúcar e gordura.

4 - O que nossos enófilos podem conferir de especial, relativo a harmonização de pratos e vinhos em seu restaurante?

O costume de Brasília era você ir ao restaurante comprar um vinho e o vinho tinha o preço multiplicado por 3. Isso era um absurdo! Então passei a ir nas lojas e comprar o vinho e vende-lo a 1,5. Faço isso até hoje. Meus vinhos são mantidos climatizados, servidos em taça de cristal e com um preço decente. 

Quando o cliente me pede uma sugestão do vinho, eu ou o sommelier perguntamos o que o senhor gosta? De branco, tinto, rosé ou espumante? O que o senhor tem costume de beber? Tem preferência de algum país produtor? E quanto o senhor quer pagar por um vinho? 

Em função disso, vimos se o cliente gosta de um vinho mais encorpado, de um vinho mais longo, ou se prefere um vinho mais curto e etc... Existem dois tipos de vinho, o que você gosta e o que você não gosta. Temos que sempre partir dessa premissa básica: do que o senhor gosta e do que o senhor não gosta. Não adianta eu querer que o cliente beba um vinho branco, se a expectativa dele é beber um vinho tinto. Ele não vai se sentir bem. É a mesma coisa do cliente chegar e eu dizer para ele comer um bacalhau e ele veio comer uma picanha. O cliente já escolheu o restaurante, você não pode impor o prato! Quem escolheu o restaurante, sabe escolher o prato. Comida e bebida tem que dar prazer quando se come e se bebe e satisfação e bem estar depois. A refeição é um momento de lazer e prazer.

O Bacalhau na brasa original é com vinho tinto verde (o português), mas assim como o Tambaqui, pode ir com vinho tinto ou branco. Picanha é normalmente vinho tinto, ou no máximo vinho branco encorpado. Deixamos o cliente à vontade para escolher e beber o que gosta.



5 – Aqui em Brasília, o senhor foi pioneiro em vinhos e azeites. Em que mais o Dom Francisco contribuiu para a Enogastrônomia da Capital?

Aqui no Dom Francisco fomos pioneiros em utilizar vinagres e azeites de qualidade, particularmente, eu testo todos os azeites que vêm para o restaurante. Pego o azeite, coloco em uma garrafa clara, coloco em pé durante 72h, e depois se ele tiver puro, ele não solidifica, mantém o estado líquido. Isso à 6 graus mais ou menos. Se ele tiver outras gorduras, elas se solidificam.

Taças de cristal, vinhos há um preço justo, carta de vinhos, degustações divididas em duas etapas: uma para profissionais e outra para o público. 

Outra coisa foi o menu infantil, pois não se tinha pratos ajustados para crianças. Hoje em dia, muitos dos meus clientes eram as crianças que vinham comer o menu infantil. A comida, o ambiente e a família fizeram parte da lembrança deles.

E por fim... aprendemos muito com a qualidade dos pratos e dos ingredientes. Qualquer prato vai ficar com a cara do pior ingrediente que você usar. Se você colocou um ingrediente ruim no prato, é o que vai aparecer e todo mundo vai lembrar nesse prato. Já vi muito cozinheiro fazer prato ruim com ingrediente bom, mas nunca vi prato bom com ingrediente ruim. 

6 - Qual prato o senhor mais gosta de preparar em seu restaurante? E qual o vinho certo para acompanhar esse prato?

Eu gosto mais de preparar o prato que é pedido pelo cliente. Não necessariamente a picanha, o bacalhau ou tambaqui. Quando um cliente pede um prato, eu tenho uma satisfação especial de preparar esse prato.

Uma característica minha é preservar, em qualquer prato, a força do produto. Enquanto existem chefs que gostam de dar um toque/suavizada nessa característica, eu deixo que o produto apresente toda a sua força!

Para mim, sou bem versátil. Como de tudo, depende do que eu comi. Se eu já comi duas ou três vezes peixe, vai me assentar melhor uma carne; se eu comi carne, vai melhor um bacalhau ou um peixe. Eu sempre pergunto isso ao cliente, o que o senhor está comendo muito essa semana? Se o senhor já comeu carne 3 dias, não seria melhor comer hoje um bacalhau? Eu faço uma sugestão, mas ele come o que ele quer...

7 – O Senhor conta com a melhor equipe de sommeliers de Brasília. Possui três dos seis sommeliers homologados pela ABS. O que isso significa para o restaurante?

Digamos assim, é o retorno de um grande investimento. Fui o primeiro a fazer degustações de vinho em Brasília. Trazia os produtores, fazia as harmonizações.
Elaborei a degustação em dois momentos: primeiro para os profissionais e posteriormente para os clientes. Temos que treinar os nossos profissionais. Tem gente que quer que eles aprendam sem ensinar. Aqui treinamos a nossa equipe, desde como usar um saca-rolhas até servir um vinho. Acho importantíssimo a degustação para profissionais, pois além de treina-los, eles ficam sabendo das novidades, aprendem as características dos vinhos, desgustam para saber como eles são e como harmonizam. 

Eu, por exemplo, só compro vinho que provei e aprovei. Se eu não puder provar, vou em uma degustação para provar os vinhos. Vou numa degustação para provar os vinhos, não os que eu já conheço, os que já conheço eu sei como são, me interessa ver o que tem de novidade e progresso para ver o que eu posso oferecer aos meus clientes. Creio que assim, eles estejam mais preparados para servir o cliente. 


Adega Novo Mundo

8 - Em seu restaurante podemos encontrar vários tipos de vinhos, quais são os mais especiais (as joias) da sua premiada adega? E qual o seu vinho preferido?

Eu tenho como princípio ter os Tops de cada país, os vinhos de padrão médio/bom e os vinhos de combate. Os vinhos considerados as joias de cada produtor, em que você bebe em ocasiões excepcionais. Já os vinhos considerados bons, você bebe em ocasiões especiais. E os vinhos correntes, que são vinho puros, bons e corretos; são vinhos que você nem tem tempo de curtir, degustar esperar o vinho respirar; são vinhos para o dia-a-dia, as vezes os bebemos para não passar em branco, os bebemos mais rápido.

Ninguém aguenta pagar 300, 400 reais num vinho de padrão bom, mas você quer beber um vinho todo dia? Então beba um vinho correto para o dia-a-dia. Seria o famoso vino di tavola, italiano, ou vin de table, francês. Cuidado que para não confundir com os vinhos de mesa (no Brasil) que são os “americanos” doces e de baixa qualidade. Por isso citei vino di távola italiano, pois é uma expressão consagrada! Em Piemonte seria um Dolcetto ou um Barbera. Se você vai no Veneto seria um valpolicella. Na França um Petit Chatêau pode ser um vin de table. Ou um beaujolais villages, que aliás, os franceses adoram carne na brasa com beaujolais. Ou seja, você estando na região que faz o vinho, quem te serve o vinho vai saber o que está sendo servido. Ou seja, qual é o vin de table que vai te servir, pois como você está em visita, ele vai querer que você coma bem, mas também conheça o vinho dele! Afinal, o que se bebe mais é o vinho de mesa e não é o vinho especial e nem o excepcional.

9 - Quais são as principais dicas que o senhor pode nos dar ao preparar um bom bacalhau, em casa para a família? E que vinho escolher para acompanhar?

O vinho pode ser tanto branco, quanto tinto (isso eu já respondi antes). É bom saber que só a Noruega exporta cerca de mais de 30mil toneladas de bacalhau por ano. Dessa quantidade que ela exporta, menos de 10% é o bacalhau original, o Gadus morhua. O resto são outros peixes “semelhantes”. Aqui trabalhamos com o Gadus morhua.

Então, a primeira coisa que tem que fazer é comprar bacalhau com um fornecedor honesto, que lhe forneça um bom bacalhau. Depois você vai fazer aquelas coisas que todo mundo ensina. Tirar o sal em água gelada, para isso, separamos o peixe em pelo menos 3 pedaços (lombo alto, lombo baixo e as laterais), pois o tempo de retirar o sal do lombo alto pode chegar a umas 40h, enquanto que o posta fina umas 20h, e o desfiado 10h.

Deve ser utilizado uma técnica para se retirar o sal o suficiente para não salgar o bacalhau e nem deixa-lo muito sem sal. O sal é o rei da cozinha, ele tem que ser tal que passe discreto sem aparecer (sobrar) e sem faltar. Nós retiramos o sal em tanques especializados de água corrente, com cerca de 250kg por semana, cerca de umas 2mil porções por mês para cada casa.

Depois, tem que ver qual bacalhau você vai fazer... o importante é assar de forma que toste (sem queimar) por fora e fique suculento por dentro. 



10 – O senhor já foi professor e hoje ministra um curso em seu restaurante. Nos fale um pouco sobre esse curso e o que podemos aprender nele.

O curso nasceu por exigência dos clientes que queriam aprender algumas coisas. O que eu procuro fazer é falar sobre os produtos, matéria prima de qualidade, como escolhe-las e como manipula-las, dou exemplos de como eu preparo carne, peixe, frango e etc...

Deixo muito claro que não é a única maneira de fazer e nem a única certa. Sempre digo: se está bonito, está cheiroso, está saboroso, então está certo! Temos que ter em mente que fazer diferente não é fazer errado. Lógico, valendo tudo o que foi comentado anteriormente na entrevista. 

11 – Como o Senhor faz para administrar e manter o padrão de qualidade nas quatro unidades do Dom Francisco? E qual a principal característica que diferencia cada uma delas?

O grande segredo é o treinamento. Primeiro o funcionário tem que comer na casa e comer bem. Se o funcionário não comer bem, ele não vai cozinhar bem. Ele tem que ver que a proposta a qual falamos para ele, funciona também. Para ele o prato também tem que ser bonito, cheiroso e saboroso. Pois se isso não for verdade, como é que ele vai “vender” isso ao cliente? Uma vez fui a um restaurante e perguntei ao garçom como era tal prato; e ele disse não sei, nunca comi! Simplesmente ele não tem nem noção de como é esse prato. 

Temos treinamento uma vez por mês ou mais, fora o treinamento em serviço. 

A Casa da 402 e da ASBAC têm o mesmo cardápio básico e com poucas diferenças ajustadas para o público. Já a do Pátio e do Park Shopping são semelhantes e têm o buffet, pois as pessoas que vão ao shopping não admitem pedir e ficar “esperando”. Isso tem uma certa razão, lá devido ao barulho, o corre corre, ninguém tem paciência de sentar e ir apreciar um grande vinho. Não tem clima para isso. As pessoas não vão ao shopping para comer, elas também comem no shopping. Você vai ao shopping para comprar, passear, olhar as lojas e etc... A preocupação principal delas não é ir lá para um grande jantar. Claro que temos as particularidades de diversos grupos, como os corporativos.


12 – No dia 30 de Dezembro de 2014, passei para jantar no seu restaurante da ASBAC. O senhor estava, como sempre, no restaurante, passando de mesa em mesa e cumprimentando seus clientes, verificando se estava tudo ok e se precisavam de alguma coisa. Que efeito tem esse gesto e no que ele pode ter ajudado nesses 27 anos de sucesso?

Tem muito efeito. Meu conceito é esse: a Casa tem dono! Tem que ter alguém que receba e despeça os clientes. Tenho expectativa de conversar com o cliente e ver se ele gostou da proposta apresentada e se atende a sua necessidade. Como também dar algumas sugestões de azeites e vinhos.

13 – Para terminar a entrevista, gostaria que deixasse um recado para os admiradores do Dom Francisco.

Sempre que forem atendidos me deem um feedback. Principalmente se forem mal atendidos. Aprendi com as sinceras criticas/observações e agradeço imensamente os elogios. Isso me ajuda trabalhar e ter animo para crescer.