quarta-feira, 29 de julho de 2015

Pessoal!!!
É com muito prazer que venho publicar essa SUPER ENTREVISTA com um dos melhores jornalistas de gastrônomia de Brasília: Rogério Lisbôa, que é colunista de gastronomia da BandNews FM Brasília, chef de cozinha, sommelier, foi sócio de dois restaurantes na capital do país e viajou o mundo atrás de curiosidades e informações sobre esse sensacional universo da boa comida e dos bons vinhos. Não deixe de conferir:

Desde já agradeço imensamente o Rogério Lisbôa por ter participado dessa entrevista e ter respondido TODAS as nossas perguntas detalhadamente. Muito obrigado! Espero que essa entrevista possa despertar aos nossos leitores o prazer pela enogastronomia. Boa leitura a todos!

Entrevista com Chef e Jornalista Rogério Lisbôa da Band News FM


1 – Rogério, conte-nos um pouco de sua história e de como começou sua paixão pelos vinhos e pela gastronomia.

Fui morar sozinho muito cedo, em Porto Alegre. Eu sou da capital gaúcha mesmo, meu pai estava com um apartamento pequeno desocupado e ao invés dele alugar novamente, propus de eu ficar nele e aos poucos pagando os débitos a ele. Demorou, mas aceitou a idéia. No começo era sanduíche e tele-entrega quase todo dia. Mas chega um dia que você enjoa disso. Não consegue ver nem pão e nem motoqueiro de delivery na tua frente. (risos). A faixa etária dos vizinhos era a mesma minha, entre 18 e 25 anos. Decidimos cada dia nos juntarmos na casa de um e cozinharmos para nós, convidávamos amigos, colegas, amigas, aos poucos fui aprendendo, me aperfeiçoando, gostando da área. No começo tudo é novidade. Me lembro da primeira ravióli (massa fresca recheada) que eu fiz. Algo da receita eu devo ter pulado ou não estava ali. Na casa de um dos amigos, estávamos em seis, e na hora de fechar deu 3 raviólizinhos no prato de cada um com um oceano de molho. Um deles olha pra mim:”- Tá certo que esse negócio de alta gastronomia é cheio de frescura, mas vou ter que sair daqui e comer um cheese burger triplo ali na esquina”. (gargalhada) Foi uma fase muito importante de aprendizado. 

Depois vieram os cursos, a profissionalização, as viagens pelo país, as viagens para o exterior. O respeito pelos produtores, pelos rituais e culturas de cada sociedade, por ver a comida de uma forma diferente e não só como um meio de se alimentar. No mesmo ritmo de conhecimento que você começa a adquirir e quer adquirir vem o universo todo: o que combina com os pratos, harmonizações, bebidas clássicas de coquetelaria, whisky, cervejas, naturalmente o vinho entrou nesse conhecimento. Viajei, aprendi com donos de restaurantes mais antigos, Associação Brasileira de Sommeliers, publicações, livros, sites, revistas especializadas, curiosidade, o universo do vinho me conquistou depois do primeiro gole. Recebi no La Bússola (um dos restaurantes que foi sócio) na época proprietários de vinícolas da Espanha, da Argentina, do Uruguai. Fui ficando fascinado por esse universo. Cheguei ao ponto de ficar da meia noite até 4 da manhã recebendo de uma forma carinhosa e atenciosa uma aula sobre rolhas sentados no balcão de entrada do restaurante. O proprietário de uma vinícola de Toro, na Espanha, encheu as duas mãos com rolhas que ficavam jogadas na vitrine do restaurante e me deu uma aula completa de tipos de rolhas, extração, sobreiro (a árvore de que é extraída a rolha natural), materiais em pesquisa, scrawcap (tampa de rosca). E, é claro, no fim abrimos uma garrafa de vinho espanhol da propriedade dele para comemorarmos o aprendizado.   

Depois também aprendi muito na sociedade com a chef Marília Gassner, viúva do respeitado rastaurateur Fred Gassner, do Lago Norte. No restaurante Varanda do Fred os clientes passavam do estágio de clientes, transformavam-se em verdadeiros amigos. Nossa horta no restaurante trazia direto do quintal para a cozinha as ervas frescas a serem utilizadas na elaboração dos pratos. Mais de uma vez um cliente escolhia um prato, pegávamos uma das crianças da mesa e levávamos até a horta para a criança escolher qual seria o pé da erva fresca que seria utilizada no prato. A criança passava pelo salão segurando a erva fresca com as raízes ainda sujas de terra e entregava para a equipe da cozinha na porta o tempero. Isso é respeito ao cliente e ao ingrediente, é satisfação, são sorrisos e bons momentos gerados em uma simples refeição.  

2 – Você já foi dono de restaurante, quais são os principais desafios que enfrentou ao abrir o restaurante? E por que decidiu vende-lo?

Ser dono de restaurante é o sonho de qualquer pessoa, pode perguntar para qualquer um, todo mundo quer ser dono de restaurante ou de um bar. Mas não é de glamour que se vive no meio ao contrário do que muita gente pensa. É uma empresa como qualquer outra. Você tem encargos trabalhistas, impostos, administração em si, tratar com fornecedores, relacionamento com o cliente, padronização do que sai da sua cozinha, compras que geralmente são realizadas em horários fora do normal para qualquer cidadão, como uma Ceasa, por exemplo, às 5 e meia da manhã, A carga tributária é um das coisas que mais pesa para o empreendedor. O exagero de tributos e taxas propostas pelo governo que aparecem toda hora faz com que o “restaurateur” (proprietário de restaurante) chegue num dia e pense: será que tudo isso realmente vale à pena? Quando você faz com paixão o que gosta, essa pergunta é feita diariamente. Mas chega um dia em que se esses encargos estão começando a superar o seu cansativo dia de trabalho, é hora de repensar ou se endividar. E restaurantes pequenos em que mesmo com casa cheia as contas se multiplicam assim como a criatividade nos pratos que saem da cozinha, é hora de tomar decisão. Resolvi vendê-lo após a conversa com um amigo, experiente, que foi dono de grandes restaurantes no país e me disse:”A sua noite de sono é muito mais importante que a sua paixão, essa paixão vai continuar pela vida com novas oportunidades, sua saúde se for embora, não”. Na outra semana juntei a equipe e anunciei a decisão.  

3 – Como dono e administrador de restaurantes, explique por que o vinho no restaurante se torna tão “caro” para o consumidor?

Na realidade não é que se torna tão caro, existe muito preço justo nas cartas sim, mas você paga junto o conforto que você está recebendo. Ar-condicionado, guardanapos limpos, taças de cristal, talheres polidos, balde de gelo, gelo, abertura do vinho, o serviço do vinho em si. Respeito ao profissional que ali está, ao sommelier, o conhecimento que ele passa ao cliente para harmonizar,  quem se dedica diariamente estudando para lhe dar momentos agradáveis junto à uma garrafa de vinho com a sua companhia. Vejo discussões sobre a cobrança de taxa de rolha, por exemplo, nos restaurantes. Se a carta de vinhos de determinado restaurante é uma carta bem elaborada, diversas opções, tanto de qualidade quanto de preços, existe o cuidado de se preparar algo para satisfazer o cliente, existe realmente a necessidade de se levar um vinho de casa? Ou é algo para satisfazer o próprio ego? Melhor então comprar uma passagem para algum bom país produtor de vinho e depois postar a foto no Facebook com aquele seguinte comentário:”Paguei aqui apenas US$ 1 a garrafa”. Perfeito. Satisfez o ego, mostrou que é bom de economia e ainda vai levar curtidas na rede social.   

4 – Ainda sobre restaurante, quais estratégias devem ser seguidas para manter bom preço e qualidade?

Pesquisar, estudar, pesquisar, conhecer, pesquisar e pesquisar. Já falei pesquisar? (risos) Um trabalho diário, incansável. Você tem que conhecer seus clientes, saber exatamente o que querem. Você tem que conhecer seus fornecedores. Tem que conhecer o produto que trabalha. Você tem que ter aliados à sua volta que sabem da sua necessidade. Se o produtor, o fornecedor, passa um preço mais baixo naquela semana porque o tempo favoreceu a safra, por que não repassar para o cliente isso também? Evitar o desperdício, ficar atento a tudo que acontece dentro do estabelecimento. Torneira pingando, ar-condicionado com as manutenções em dia gastam menos energia, fica mais em conta comprar gelo todo dia ou comprar uma máquina de gelo? Questionamentos incessantes para fazer a sua qualidade ser sempre destaque e conseguir manter um preço bom final. Mas volto a dizer, enquanto os governantes acreditarem que o empreendedor deve levar a carga tributária nas costas, sem ajudar a carregar o piano, no final não tem como o pianista sozinho agradar toda a platéia. Ele vai estar cansado. 


5 – Rogério, você viajou o mundo cozinhado... quais lugares mais chamou sua atenção? E por que?

Toda a viagem me chama a atenção. Adoro observar culturas diferentes, paixões diferentes pela gastronomia, as pessoas que sobrevivem cultivando algo ou preparando o alimento. A capital francesa Paris, sem dúvida, para mim, é o berço da boa gastronomia. O cuidado, os detalhes, o ritual sagrado dos franceses para a boa mesa devia servir de exemplo para muitos locais. O momento da refeição é um momento nobre, de reunir a família, comer devagar, em paz. O cuidado que os franceses têm por seus queijos, vinhos, frutos do mar. O frescor dos ingredientes para satisfazer uma necessidade básica do ser humano, mas com elegância, com estilo. Mas não mais importante, por exemplo, do que comer um alfajor em Buenos Aires. Em três vezes que fui profissionalmente para a capital portenha, você cada vez descobre algo diferente. O doce típico, alfajor, por exemplo, fiz uma pesquisa na última vez. É muito mais do que uma sobremesa. São mais de 360 fábricas artesanais espalhadas por todo o país. É um símbolo para os argentinos. Geralmente conhecemos marcas famosas como a Havanna, mas existem pequenas fabriquetas espalhadas pela Argentina que dá vontade de você comer o doce de leite antes dele rechear a iguaria. Quando você começa a ver com olhos diferentes a gastronomia, respeitar os ingredientes e quem faz, tudo aquilo feito com carinho se torna algo especial. No último dia, antes de eu vir embora na última vez, um dos recepcionistas do hotel me deu embrulhados em papel celofane, bem simples, três alfajores caseiros feitos pela sua avó que morava no subúrbio de Buenos Aires, com uma receita de família. Não existe preço que pague esse tipo de gesto. 

6 – Você é do Rio Grande do Sul, e como todo bom gaúcho gosta de churrasco e vinho. Explique porque vinho e churrasco harmonizam e nos dê dicas para fazer um bom churrasco e escolher o vinho para acompanhá-lo.

O gaúcho é carnívoro por natureza. Bons rebanhos com a proximidade do Uruguai e com a Argentina, e ainda a cultura no Rio Grande do Sul de comermos carne de ovelha faz com que sejamos exigentes em termos da qualidade da carne a ser servida. Gaúcho gosta de picanha, mas valoriza muito também uma costela bovina. O assar lento da costela junto ao osso dá um sabor e maciez espetaculares para a carne na troca de minerais do osso, praticamente cozinhando de dentro para fora com o osso quente. Geralmente não somos de muitos temperos. Uma leve mão de sal grosso, sem exagero, altura correta das brasas e uma salada de maionese com batata, um molho vinagrete e farinha de mandioca branca, não farofa, só a farinha mesmo, está feita a festa. Pela carne vermelha ser uma carne mais robusta, e como eu disse, existir tradição nesse preparo, um bom tannat uruguaio ou um bom malbec argentino fazem uma bela parceria para o churrasco. Churrasco combina sim com vinho. É só tomar um vinho bom. 

7 - Qual prato você mais gosta de preparar? E qual o vinho certo para acompanhar esse prato?

Eu sou muito eclético. Tem dia que vou para a cozinha para fazer um pastel comum de mussarela, bem feitinho, com óleo novo, massa sequinha, crocante. Como tem dia que estou metido à besta e vou para cozinha fazer uma lagosta com molho de manteiga e aspargos verdes frescos. Não tenho frescura com isso. Se me convidarem para comer rabada com agrião, como e lambo os dedos, se me convidarem para comer ostras frescas, fico todo perfumadinho, coloco meu sapato novo e também vou. Não tem tempo ruim. Acredito que cozinheiro, chef de cozinha, ou seja lá qual for a nomenclatura que você queira utilizar, deve retirar qualquer tipo de preconceito para poder usufruir de tudo que a gastronomia tem para lhe dar.  Bem, falei dos pratos, né? Deixa eu harmonizar. Com o pastel de mussarela – por que não pastel com vinho? – um chardonnay leve, pouco ou sem barrica; com a lagosta, mesmo tendo aspargos que não são os melhores amigos do vinho, um branco de acidez mais presente de uva sauvignon blanc; para a rabada com agrião um tinto mais potente pela untuosidade do prato e força, eu serviria com um malbec argentino bem presente e para as ostras uma combinação clássica da enograstronomia, um francês Chablis, nem mais, nem menos. 

8 – Fale um pouco sobre seu trabalho à frente da coluna de gastronomia da Band News FM. O que seus ouvintes podem conferir? E qual o diferencial do programa?

O Giro Gastronômico na BandNews FM leva exatamente isso ao ouvinte. Aprender técnicas profissionais para se utilizar na sua cozinha, na sua casa com a família. Tudo aquilo que pode facilitar a sua vida na cozinha. Falamos desde como temperar direitinho aquele feijão novinho recém feito até como fazer um prato famoso que é destaque em algum restaurante do mundo. Receitas premiadas, receitas regionais, harmonização de pratos com vinhos e cervejas. O cuidado na higienização tanto dos ingredientes quanto das mãos para se preparar alguma entrada, prato principal ou sobremesa. A gente tenta desmistificar para o ouvinte esse mundo maravilhoso da gastronomia. De uma forma que desde alguém com menos instrução até o presidente da multinacional possam ouvir, entender e gostar. Já saí do meu prédio com um dos porteiros:”- Ô, seu Rogério, eu não sabia daquela dica de cozinhar a batata com a casca e descascar só depois” e até mesmo um ministro em meio a uma entrevista que não era de gastronomia para mim:”- Interessante aquilo do risoto com presunto cru...” A nossa função, de toda a equipe, ali no Giro Gastronômico é exatamente essa, fazer com que as pessoas tenham um momento de aprendizado, lazer, se desliguem por um tempinho dos problemas diários para respirarem gastronomia. Entre advogados, falam de leis. Entre dentistas, falam de prótese. Entre jornalistas, falam de matérias. Mas todos têm uma receita para dividir com os outros independente da profissão. Essa, para mim, é a magia da gastronomia. 


9 – Ainda sobre o programa, qual foi a receita mais inusitada já pedida por um ouvinte? E qual seria o vinho ideal para harmonizar?

Como falamos de tudo no programa, algo me chamou a atenção em um dos dias em que cheguei na redação e o âncora Adriano Oliveira disse que uma criança, a mãe de uma ouvinte mirim, pediu por solicitação da filhinha, uma receita de cupcake, mas tinha que ter, na observação do pedido: “muito chocolate”. Era próximo ao Dia das Crianças. Neste caso, óbvio, a harmonização aqui é um suco de uva de boa qualidade já que é para ouvinte mirim e não tem vinho então. Outro caso interessante é o feedback que temos de amigos, ouvintes, que fazem os pratos ou algum outro prato, postam a foto no Facebook e perguntam: “- Ficou legal? É isso?". Isso é muito gratificante para toda nossa equipe. Mostra resultado no trabalho que estamos desenvolvendo e o carinho que os ouvintes têm com a gente. Um dos ouvintes, por exemplo, postou certa vez uma torre de panquecas, mas estava meio desequilibrada essa torre, parecia meio uma torre de Pisa, na Itália, aquela tortinha. Coloquei um post para ele: “- O caminho é esse fulano, só refaz alguns cálculos aí para esse torre não desmoronar em cima do convidado. Forte abraço”. Refez na outra semana o prato. Perfeito, sem erro de “gastroengenharia”. 



10 -  Rogério, seus fãs podem conferir em seu perfil no Facebook que você é romântico e que faz vários jantares para sua esposa. Então, nos dê dicas de como preparar um jantar romântico.

Romantismo não é sinal de gasto. Você pode muito bem fazer um jantar romântico para sua companheira ou companheiro improvisando, mas com bom gosto. Uma flor natural dentro de uma garrafa de vidro pequena de água mineral, sem rótulo, sobre a mesa. Uma luz indireta de um abajur. Cuidado no preparo da mesa. Talheres, guardanapos, pratos bem distribuídos. Uma vela dentro de um copo transparente de vidro grosso sobre a mesa. Um jogo americano de madeira ou bambu – hoje existem inúmeros tipos e com preços super acessíveis no mercado. Você pode sim, fazer uma bela refeição ao lado de quem você gosta de uma forma romântica. Nunca esqueço que um amigo certa vez me disse:”- Cara, fiz aquilo que você disse, eu tinha acabado de me mudar, não sabia onde estava nada em casa. Sabe o que eu fiz? Um ovo frito com gema mole, salsa fresca picada e um pouquinho de lascas de parmesão sobre ele. Até hoje é o jantar que eu e a minha esposa mais nos lembramos”. Quer dizer, seja criativo e sincero. Seu jantar vai ser não “um jantar”, mas “o jantar”. Existem momentos da vida em que você deve diferenciar gasto de investimento. Saiba o momento certo de cada um. E vá para a luta com o que você tem nas mãos. 

11 – Sempre escutei de você: Um ótimo prato é feito com um ótimo ingrediente, mas um ótimo ingrediente não necessariamente faz um ótimo prato. Como fazer para conseguir bons ingredientes? E que cuidados tomar ao fazer um bom prato?

Você deve conhecer o ingrediente com que está trabalhando. De nada vale gastar um dinheirão em caviar e champagne se você for servir de forma errada. Você tem que saber como interagem os ingredientes na panela, Deve conhecer a textura, o aroma, o aspecto visual. Ser curioso. Você deve ir na feira e escolher os ingredientes da época, da estação. Além do preço ser melhor, pelo fato deles serem daquela época pela Natureza, os sabores são mais presentes, mais frescos. Se você resolveu fazer uma torta assada de abobrinhas italianas, mas naquele dia no supermercado as abobrinhas italianas não estão legais, amassadas, machucadas, passadas, mude o prato, faça outro. Tenha pelos ingredientes o mesmo carinho que você tem por quem vai comer o prato. A Natureza retribui essa positividade. Daí você resolve fazer uma torta assada de abóbora, que está bonita, bem cuidada, saborosa. Seu prato final terá todo o cuidado que você apresentou no preparo. Muitos ingredientes caros podem não resultar em bons pratos. Mas ingredientes medíocres vão resultar em pratos medíocres. Você tem que ter sempre isso em mente. Uma vez um antigo amigo e dono de restaurante de Brasília me ensinou isso: se o fornecedor não traz um bom ingrediente e sabe que você é exigente, de repente não é o ingrediente que não é bom, mas o fornecedor. Manda o produto voltar, não aceita. Se mesmo assim ele insistir no outro dia, não troca mais o ingrediente, troca de fornecedor. 

12 – Comente a frase: um prato saboroso exige um bom vinho. E quais são as regras básicas de harmonização? 

Devemos ter em mente o respeito à harmonização. O tipo de ingrediente usado, o molho que vai ser servido, vai vinagre em excesso – que briga com o vinho? Se for um prato mais robusto, um vinho mais presente para acompanhar. Um prato mais leve, um vinho que não mascare o sabor do prato. Vinho e comida é casamento. Que nem na vida real, se dá certo, é lua de mel, se dá errado é um desastre interplanetário. Aprenda sobre vinhos, pesquise, faça cursos, veja o que combina e o que não combina. Como todo chef de cozinha sou curioso: uma vez inventei de ir contra a harmonização e servi sozinho em casa para mim mesmo um salame italiano artesanal forte elaborado por um amigo e inventei de abrir um Pinot Noir muito leve que um chef francês trouxe para mim de uma província de lá. Parecia briga de foice na boca. Quase que estrago um belo salame e um vinho sensacional. Então é por aí, respeite as regras, claro que muitas delas podem ser quebradas, mas vá aprendendo devagar. E outra coisa: vinho caro nem sempre é sinal de vinho bom. Já bebi vinhos caríssimos que perdiam de longe para vinhos de preços acessíveis para qualquer pessoa comum. No mundo da enograstronomia você tem que ser realista com seu gosto pessoal, seu estado de espírito e principalmente com o seu bolso. Se no seu orçamento cabem vinhos até determinada faixa de preço, é nessa mina de ouro que você deve garimpar. 



13 – Você gostaria de deixar algum recado para os ouvintes e leitores?

Em gastronomia não seja um chato, não seja arrogante. Seja uma pessoa que dê prazer de estar ao seu lado. Se você está no meio de pessoas que estão falando a respeito da feijoada que comeram ali no samba da esquina e caiu super bem com uma garrafa de Cabernet Sauvignon chileno, o que interessa você chegar esnobando falando da carne de Lhama Roxa Gaivotante que você degustou com o imponente vinho elaborado com uvas encontradas na Caverna da Tapioca Rastejante de Paso de Los Libres? O reconhecimento em qualquer área vem do seu trabalho, do seu suor, da sua dedicação em fazer o que você gosta. Aprecie os pequenos momentos simples da vida com complexidade. Dedique-se, aprenda, vá conhecendo aos poucos o que lhe interessa. Vinhos, harmonização, como elaborar da melhor maneira possível aquele prato. Seja curioso, mas sempre com humildade. Como disse a minha ex-sócia certa vez sobre a amizade de Fred Gassner com Paul Bocuse, um dos mais emblemáticos chefs de cozinha da França, quando perguntei sobre uma foto no Salão do antigo restaurante Varanda do Fred em que Bocuse estava com a mão sobre o ombro de Fred sentado na cadeira ela respondeu:”- Bocuse é um cara simples, chegou onde chegou por isso”.